CNJ faz recomendações aos juízos de recuperação judicial e falência

É público e notório que as medidas restritivas impostas pelo poder público para mitigação da propagação da pandemia do coronavírus produzirão efeitos negativos na economia, chegando o Fundo Monetário Internacional (FMI) a prever que cessada a pandemia a economia se verá inserida num processo recessivo tal qual ocorrera em 2008, se não pior.

Obviamente que esse fato externo, extraordinário e imprevisto coloca em xeque qualquer tentativa de soerguimento das empresas em recuperação judicial, pois sabido é que crises dessa natureza impactam a capacidade de geração de receitas das empresas, sendo certo que o principal objetivo de uma empresa em recuperação judicial consiste no realinhamento do seu fluxo de caixa.

No contexto dessa peculiar situação vivida em razão da pandemia do coronavírus, o grupo de trabalho especialmente criado no âmbito do Conselho Nacional de Justiça pela Portaria n.º 162, de 19 de dezembro de 2018, cuja finalidade consiste em debater e sugerir medidas para modernização e efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação judicial e falência, sugeriu uma série de recomendações, as quais foram aprovadas pelo Ato Normativo 0002561-26.2020.2.00.0000.

Segundo as recomendações aprovadas, os juízos das varas de recuperação judicial e falência devem priorizar a análise de pedidos de levantamentos de valores em favor de credores ou empresas em recuperação judicial. Essa primeira recomendação guarda relação direta com a urgência em decorrência das quedas e cessações de faturamentos que têm sido enfrentadas pelas empresas em razão das determinações de isolamento social e paralisação de atividades impostas pelo poder público.

Em alinhamento com as diretivas de isolamento social, previu-se também a recomendação para que sejam suspensas as assembleias de credores presenciais, autorizando a realização de reuniões virtuais quando necessárias para a manutenção das atividades da recuperanda e para o início dos pagamentos dos credores.

Nessa recomendação, muito embora tenham os integrantes do grupo de trabalho de utilizado das expressões assembleia e reuniões, entendemos que na segunda parte do parágrafo estaria sendo autorizada não apenas a realização de reuniões virtuais para manutenção das atividades das empresas, como também a realização de assembleias de credores virtuais, na medida em que estas sim seriam o ato mais comum ao início do pagamento dos credores, eis que tal pressupõe a existência de um plano de pagamento aprovado em assembleia e homologado pelo juiz.

Como consequência lógica da suspensão das Assembleias de Credores presenciais, recomendou ainda o CNJ que os juízos competentes prorroguem o período de suspensão das ações e execuções em face da empresa em recuperação judicial (stay period), até que seja possível a decisão sobre a homologação ou não do resultado da Assembleia, quando realizada.

Nesse ponto não inovou o grupo de trabalho, na medida em que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se alinhava pela possibilidade de alongamento do período de suspensão "caso as instâncias ordinárias considerem que tal prorrogação é necessária para não frustrar o plano de recuperação” (AgInt no REsp 1.717.939/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 06/09/2018).

O ponto de maior relevo é, sem dúvida, a possibilidade dos juízos conferirem prazo razoável às empresas em recuperação judicial, inclusive àquelas com planos homologados, para apresentação de plano modificativo, desde que comprovada a redução da capacidade de pagamento em decorrência da pandemia do coronavírus e que a empresa esteja em dia quanto ao cumprimento das obrigações vencidas até 20 de março de 2020.

Trata-se de medida preventiva à decretação de falências, pois é sabido que se uma empresa em recuperação judicial com plano homologado e no período de fiscalização judicial do cumprimento deixa de pagar uma parcela ocorrerá a convolação da recuperação judicial em falência.

Atento a essa realidade social o grupo de trabalho anteviu que em razão das medidas de isolamento social e paralisação de atividades é intuitivo que empresas não conseguirão cumprir os planos homologados; mas não conseguirão em razão de um fato superveniente, extraordinário e imprevisível, resultante de uma pandemia que afetou a economia mundial.

Segundo o Ato Normativo, a recomendação não se aplica às empresas que por circunstancias outras já não estavam conseguindo cumprir seu plano, daí a necessidade de comprovação da causalidade, ou seja, que não será possível cumprir as parcelas vincendas em razão das modificações econômicas provocadas pela pandemia; razão pela qual, inclusive, exige para aplicação da recomendação que a empresa em recuperação esteja em dia quanto ao pagamento das parcelas do plano vencidas até 20 de março corrente.

No entanto, muito embora se faça referência à data de 20 de março corrente para fins de apresentação de plano substitutivo, este marco não se encontra inserido na recomendação seguinte, a qual determina que os juízos competentes considerem ocorrência de caso fortuito ou força maior na hipótese de não pagamento de parcela do plano aprovado e homologado, cuja eficácia imediata seria a decretação da falência na forma do inc. IV, do art. 73 da Lei 11.101/05.

Em que pese na recomendação para apresentação de um plano substitutivo o CNJ tenha se valido do dia 20 de março como marco temporal da crise, quando prevê a possibilidade do juízo se abster da decretação da falência pelo descumprimento de obrigações constantes no plano aprovado e homologado, desde que comprovada a causa do inadimplemento relacionada à crise do coronavírus, o mesmo texto não se apega àquela data, o que nos permite concluir que, até mesmo em relação àquelas obrigações inadimplidas antes de 20 de março de 2020, desde que a causa do inadimplemento tenha correlação com a crise do coronavírus, seria possível a apresentação de uma plano substitutivo, porque do contrário não haveria razão para se afastar a configuração da situação de inadimplência e decretação da falência, na forma do inc. IV, do art. 73 da Lei 11.101/05.

Ainda à guisa de recomendação sugere o CNJ que os Administradores Judiciais permaneçam fiscalizando as atividades das empresas em recuperação judicial, ainda que de norma remota, como forma de atender as determinações de isolamento social.

Por fim, também no âmbito das questões relacionadas às determinações de isolamento social e paralisação de atividades, recomenda o CNJ que os juízos competentes avaliem com especial cautela, dada a peculiaridade da situação atual, todos os pedidos de tutela de urgência, arresto ou penhora, bem como ordens de despejos veiculadas em desfavor das empresas em recuperação judicial, como forma de não frustrar o processo de soerguimento, o qual será duramente afetado pelos desdobramentos da crise em decorrência da pandemia.

É sempre delicado e tormentoso um processo de recuperação judicial, e não se tem dúvidas que o quadro de crise financeira existente em toda e qualquer empresa em recuperação judicial se agravou sobremaneira nos últimos dias, não sendo possível sequer antever até onde será ainda atingido pelos atos que, em decorrência da pandemia, deverão ser adotados daqui para frente.

De qualquer forma, as medidas jurídicas para adequação da crise da empresa ao momento atual estão disponíveis e é salutar verificar que o CNJ se sensibiliza com essas questões e age com objetivo de uniformizar o entendimento, porque uma unificação de posicionamento confere segurança jurídica, a qual se torna indispensável à tomada de decisões em momentos de crise.