Pagamento de tributos: decisões judiciais prorrogam prazos

É inegável que as medidas de enfrentamento à pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) já trouxeram impactos financeiros significativos para diversos setores da economia. Direta ou indiretamente afetadas, as empresas já se deparam com sérios problemas de fluxo de caixa e veem no horizonte a perspectiva de uma piora dramática nos próximos meses. A mera sobrevivência das empresas deverá se tornar um desafio hercúleo, e certamente será muito difícil manter o pagamento de salários em dia e, via de consequência, os próprios postos de trabalho.

Uma das maiores preocupações nesse cenário diz respeito ao pagamento dos tributos, que representam uma despesa bastante significativa para as empresas e cujo inadimplemento acarreta custos ainda maiores, em decorrência da cobrança de multas e juros. Isso sem mencionar os transtornos gerados pela falta de Certidão Negativa de Débitos e a possível perda de benefícios diretamente atrelados à regularidade fiscal.

No âmbito federal, algumas medidas já vêm sendo adotadas para tentar aliviar a pressão sobre a classe empresarial, dentre as quais destacamos as seguintes:

Resolução CGSN nº 152/20, de 18 de março de 2020 – prorrogou o vencimento dos tributos federais abrangidos no Simples Nacional relativos aos meses de abril, maio e junho de 2020;

Medida Provisória nº 927/20, artigo 19 - suspendeu a exigibilidade do FGTS devido pelos empregadores nas competências de março, abril e maio de 2020;

Medida Provisória nº 932/20 – reduziu em 50% as alíquotas das contribuições destinadas ao chamado sistema “S” no período de 1º de abril a 30 de junho;

Decreto nº 10.305, de 1º de abril de 2020 - reduziu a zero as alíquotas de IOF sobre operações crédito contratadas no período de 3 de abril q 3 de julho de 2020.

Além das medidas já implementadas, outras vêm sendo cogitadas ou mesmo anunciadas. Em 1º de abril, o Secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, anunciou para os próximos dias medidas de diferimento (prorrogação do prazo para pagamento) do PIS/COFINS e da contribuição previdenciária nacional.

Apesar de louváveis, essas iniciativas podem não ser suficientes diante da dramática redução da atividade econômica verificada nas últimas semanas, e cuja retomada não é esperada em curto prazo.

Procurando uma solução mais efetiva para o problema, muitas empresas têm recorrido ao Poder Judiciário na esperança de conseguir, ao menos, a prorrogação do vencimento de seus tributos. Já são centenas de demandas em todo o País buscando esse tipo de tutela judicial, e as primeiras decisões favoráveis já começam a aparecer.

Uma das teses que vêm obtendo sucesso gira em torno da aplicação da Portaria nº 12, de 20 de janeiro de 2012, editada ainda pelo Ministro da Fazenda Guido Mantega. Naquela ocasião, diversas cidades localizadas nas regiões sul e sudeste foram atingidas por chuvas fortíssimas, cujos estragos impactaram seriamente diversos setores econômicos. Nesse contexto, a Portaria nº 12, de 20 de janeiro de 2012 concedeu, para as empresas estabelecidas em municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, a prorrogação do vencimento de tributos administrados pela Receita Federal e, também, parcelamentos, para o último dia útil do 3º mês subsequente ao mês vencido, enquanto estivesse vigente o respectivo decreto de calamidade pública.

Embora tenha sido criada com o intuito de auxiliar a superação daquele momento específico, a referida portaria não estabeleceu um prazo limite para a sua vigência, tampouco foi revogada por qualquer ato posterior. Desse modo, diversas ações judiciais têm defendido que a prorrogação do prazo para pagamento dos tributos federais, nos termos da Portaria, é um direito dos contribuintes domiciliados em Estados nos quais se tenha declarado estado de calamidade pública em razão da pandemia de COVID-19.

Como ocorre em outros Estados, a aplicação desse entendimento pode ser uma saída para as empresas capixabas, já que a Assembleia Legislativa reconheceu a calamidade pública em 27 de março de 2020, através do Decreto Legislativo nº 01/2020, com vigência até o dia 31 de julho de 2020. Com isso, os tributos federais vencidos entre 27 de março e 31 de julho do presente ano poderiam ser pagos até o último dia útil do terceiro mês subsequente ao vencido.

No entanto, para terem esse direito reconhecido, as empresas precisarão recorrer à Justiça, já que a Receita Federal não tem aplicado por iniciativa própria a Portaria nº 12, de 20 de janeiro de 2012.

Decisões favoráveis aos contribuintes já foram proferidas por diversos Juízos espalhados pelo País, a exemplo da 2ª Vara Federal de Sorocaba//SP (Processo nº 5002358-30.2020.4.03.6110), a 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP (Processo nº 5002343-85.2020.4.03.6102), 23ª Vara Federal do Rio de janeiro/RJ (Processo nº 5018563-84.2020.4.02.5101), entre outros.

Mas existem decisões, também favoráveis aos contribuintes, que nem mesmo mencionam a Portaria nº 12, de 20 de janeiro de 2012, além de outras que suspendem também o pagamento de tributos estaduais. Nesses casos, o fundamento costuma girar em torno do fato de que foram atos do próprio Poder Público, seja no âmbito Federal, Estadual ou Municipal, que causaram as dificuldades enfrentadas hoje pelas empresas.

Trata-se da inédita aplicação ao direito tributário da chamada “Teoria do Fato do Príncipe”, conceito mais difundido no âmbito do direito administrativo, e que consiste na modificação de uma determinada relação jurídica envolvendo o Estado, em decorrência de um ato do próprio Estado, não diretamente relacionado com a relação jurídica modificada, mas que tem efeitos sobre ela.

É exatamente o que vem acontecendo no atual momento. As diversas medidas determinadas pelas autoridades públicas para combater a disseminação do coronavírus tiveram impacto significativo sobre a saúde financeira das empresas e estão, grosso modo, dificultando o cumprimento escorreito das obrigações tributárias. Nesse contexto, é bastante coerente que as obrigações tributárias sejam relativizadas enquanto durarem as medidas estatais que estão causando as dificuldades enfrentadas pelas empresas, ou enquanto durarem os efeitos dessas medidas.

Exemplos de decisões que abordam a questão por esse prisma são aquelas proferidas pela 21ª Vara Federal Cível do Distrito Federal (Processo nº 1016660-71.2020.4.01.3400) e pela 6ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo (Processo nº 1016209-67.2020.8.26.0053), entre outras.

Como se conclui, as empresas que estiverem em dificuldade podem e devem buscar o Judiciário para pleitear a prorrogação dos prazos para recolhimento de seus tributos, sejam eles federais, estaduais ou municipais, pois a situação é grave e exige medidas drásticas.

É muito positiva a constatação de que o Judiciário está atento e sensível às dificuldades enfrentadas pelas empresas neste momento, e disposto a atuar de maneira menos conservadora e fiscalista do que costuma, oferecendo novos caminhos para a superação da grave crise instalada pela pandemia.