Infelizmente as garras do Novo Coronavírus (Covid-19) já alcançam também o mais sensível e humanizado ramo do Direito Civil, qual seja o Direito de Família ou das Famílias, numa acepção mais moderna.
A crise trazida com a pandemia atinge em cheio a economia dos lares como um todo e penetra no seio das famílias brasileiras, onde muitos estão sem renda ou enfrentam considerável redução em seus ganhos.
Além disso, filhos de pais separados que antes conviviam com seus genitores em datas, locais e horários pré-definidos, agora sofrem com a resistência de um ou outro genitor que impede a ida da criança ou do adolescente sob a alegação de risco à saúde destes.
Certo é que a conscientização geral e o espírito de cooperação poderiam desembocar no necessário bom senso que deveria pautar os ajustes entre pais separados nas questões familiares, levando-os a se resolverem amigavelmente.
Ocorre que, lamentavelmente, bom senso e comunicação não violenta estão em falta nessa área do Direito, o que poderá desencadear algumas medidas a serem tomadas, as quais são a seguir exploradas:
1. Alimentos
Diante da recessão que já mostra sua cara à sociedade, algumas pessoas já tiveram redução ou perda total de sua renda mensal, ensejando a possibilidade, para aqueles que estão obrigados a pagar determinado valor a título de pensão alimentícia, de rever tais valores ou até de buscar a exoneração da obrigação.
Na primeira hipótese (Revisão de Alimentos), o alimentante (aquele que paga a pensão) deverá buscar o Judiciário demonstrando claramente a redução de seus rendimentos e pedir ao juiz que estipule novo valor para a pensão, adequando-a à nova realidade.
Em havendo perda total dos rendimentos mensais, aí sim poderá o alimentante requerer sua desobrigação por inteiro da pensão através de pedido de Exoneração de Alimentos a ser requerida também a um juiz.
Ambos os pedidos, revisão ou exoneração, têm suporte legal nos claros dizeres do artigo 1.699, do Código Civil, e deverão estar acompanhados da necessária prova da diminuição ou perda da capacidade financeira de quem presta alimentos.
2. Prisão Civil do Devedor de Alimentos
Quanto às pensões em atraso onde os credores já tenham ajuizado ou não o devido pedido de Cumprimento de Sentença pelo rito da prisão, muito tem se discutido acerca do cumprimento do mandado prisional em tempos de pandemia.
Para alguns, não se mostra razoável tampouco recomendável recolher alguém em estabelecimento prisional diante da evidente necessidade de isolamento e cuidados com a própria saúde.
Por esta razão, juízes já têm decidido suspender os mandados de prisão expedidos para cumpri-los depois do fim da pandemia, ou substituir o recolhimento prisional por prisão domiciliar.
Não à toa, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, visando contribuir com a redução dos fatores de propagação do vírus, emitiu a Recomendação n.º 62, de 17 de março de 2020, que em seu artigo 6º orienta “aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia”.
Certo é que, numa ou noutra hipótese, poderá sofrer o credor com a demora no recebimento dos valores em atraso a que tem direito, nada tendo ele a fazer senão dolorosa e pacientemente aguardar o desejado pagamento.
3. Regulamentação de Guarda e de Regime de Convivência
É direito assegurado aos filhos a convivência com os pais, a despeito de estarem estes separados ou não.
Neste sentido, em tempos de pandemia, tem sido muito comum a proibição de convivência do filho com o outro genitor que, geralmente, não reside com o menor.
A alegação costumeira varia caso a caso, sendo as mais comuns: “seu pai é grupo de risco”, “sua mãe estava viajando para o exterior”, “a recomendação dos profissionais de saúde é para ficar em casa”, “seu avô mora com o seu pai então a casa deles representa grupo de risco”, e por aí vai.
Já há decisões judiciais em vários sentidos, ora proibindo o convívio com um dos genitores, ora permitindo-o com ressalvas, e também há aquelas que determinam o exato cumprimento do que já fora decidido.
Outras possibilidades se mostram viáveis, sendo que a melhor delas certamente seria o bom entendimento através do diálogo maduro entre o par parental, o que necessariamente implicaria na existência do já falado e tão ausente bom senso!
Certo é que poderão os genitores ajustar ou obter provimento judicial que determine alternância maior dos períodos em que os filhos ficarão com um e outro genitor (semana com um, semana com outro, ou de dez em dez dias, ou quinze em quinze, ou, ainda, alternando-se o lar de referência, etc.).
Outra hipótese, para os casos de um genitor reter o filho em seu lar até o fim da pandemia, privando-o de conviver com o outro genitor, seria a reposição dos dias, ou seja, se o filho ficou 35 dias sem ver um dos pais, este terá direito a igual período ininterrupto com o filho no futuro.
O artigo 1.586 do Código Civil dá suporte para que os genitores peçam ao juiz, diante da gravidade da pandemia, que regule a convivência para com os filhos de modo diverso do estabelecido anteriormente, visando a correta aplicação do Princípio da Proteção do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, podendo aí se incluir a ampliação ou manutenção da convivência através de telefonemas mais constantes, uso de vídeo conferência e demais meios de comunicação vritual.
O ideal para tais casos, como dito, seria o consenso entre os genitores para tal período de isolamento, não sendo razoável privar os filhos de conviver com qualquer dos pais.
DIREITO DAS SUCESSÕES
No campo do Direito das Sucessões surge a possibilidade de se fazer um testamento durante o isolamento causado pelo Novo Coronavírus.
Por definição, o testamento é ato revogável de vontade onde o testador poderá dispor da totalidade ou de parte de seus bens para depois de sua morte.
Vários requisitos legais são impostos àqueles que pretendem se valer de tal instrumento, sendo exigíveis a presença de testemunhas, de um tabelião (em alguns casos) e a leitura em voz alta do texto do testamento na presença das testemunhas.
Há, porém, a possibilidade de qualquer pessoa capaz elaborar um testamento em “circunstâncias excepcionais”, nos exatos dizeres do artigo 1.879, do Código Civil.
Tal modalidade, que se adequa à situação atual, poderá ser elaborada de próprio punho, assinada sem a presença de testemunhas, para ser cumprida após a morte do testador e depois de confirmação judicial.
Assim, dentro da expressão “circunstâncias excepcionais” inserida na lei, entendemos estar contida a situação de pandemia ora enfrentada, cabendo ressaltar que nem mesmo as outras hipóteses de testamento poderiam ser facilmente elaboradas diante da limitação dos serviços cartorários pelo país afora, que também atendem às orientações de isolamento.
Recomenda-se, no entanto, esteja o testador auxiliado por advogado para elaboração do referido e possível testamento.