O direito dos passageiros frente à pandemia do coronavírus

Foi publicada no último dia 18 de março a Medida Provisória nº 925/2020, que dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da COVID-19. Como principal medida, foi concedido às empresas do setor aéreo um prazo de até 12 (doze) meses para que devolvam aos consumidores os valores pagos por passagens adquiridas até o dia 31/12/2020, devendo ser aplicadas normalmente as multas e taxas previstas no contrato para os casos de cancelamento.

Para não se sujeitarem a tais penalidades, os consumidores deverão aceitar receber, em vez de dinheiro, um crédito para utilização na aquisição de novas passagens aéreas no prazo de um ano, contado da data do voo contratado.

Embora tenha sido uma sinalização positiva por parte do Governo Federal, tais medidas não preservam integralmente os direitos do consumidor.

Em primeiro lugar, a concessão do prazo para devolução do dinheiro beneficia exclusivamente as companhias aéreas, que, sem a nova regra estabelecida pela MP 925/2020, teriam de devolver imediatamente os valores pagos pelos consumidores. E mesmo que aceitem receber o crédito para utilização posterior, hipótese que excluiria a aplicação de multas e taxas de cancelamento ou remarcação, os consumidores ainda serão prejudicados pela alta no valor das passagens aéreas que certamente ocorrerá após o fim da pandemia.

Isso sem mencionar as questões que a MP 925/2020 não esclarece, como os casos em que as passagens tiverem sido adquiridas, total ou parcialmente, com a utilização de milhas.

Outro esforço oficial para tratar a questão foi o Termo de Ajustamento de Conduta firmado no último dia 20 de março pelo Ministério Público Federal e pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor com as principais companhias aéreas brasileiras. Por esse TAC, que não se aplica às companhias aéreas estrangeiras, os consumidores que possuam passagens para voos no período de 1º de março de 2020 a 30 de junho de 2020, poderão remarcar suas viagens para qualquer período dentro do prazo de validade da passagem, sem a cobrança de taxa de remarcação ou diferença tarifária, em regra.

É fácil perceber que essa solução também não atende plenamente aos interesses dos consumidores, a começar pelo fato de que o TAC não abrange as companhias aéreas estrangeiras.

Além disso, a limitação do direito à remarcação ao prazo de validade da passagem é bastante problemática, e prejudica principalmente os consumidores que tenham adquirido suas passagens com maior antecedência, e que, agora, se verão na obrigação de remarcar seu novo voo antes do prazo de um ano contado da emissão do bilhete da passagem anterior. Simplesmente não há, no atual momento, qualquer garantia de prazo para superação da pandemia, de modo que determinar uma data para que essa nova viagem aconteça, ainda no ano de 2020, é absolutamente temerário.

Por fim, é preciso considerar que há destinos turísticos muito requisitados que só são atrativos em determinadas épocas do ano, a exemplo das estações de esqui, dos balneários que fecham  em função de baixas temperaturas, como ocorre na Europa, ou de tempestades tropicais, como ocorre no Caribe.

Entendemos que uma solução mais justa seria garantir aos consumidores a realização da mesma viagem contratada, por um período de tempo razoável após o fim da pandemia, sem a cobrança de taxas, multas ou diferenças tarifárias.

Essa é a solução que começa a se desenhar a partir das primeiras decisões judiciais proferidas no país tendo em relevo a atual pandemia de COVID-19. Duas dessas decisões pioneiras foram obtidas por nosso escritório. Na primeira delas, proferida nos autos de uma ação de obrigação de fazer em trâmite no 9º Juizado Especial Cível de Vitória, foi garantido ao consumidor o direito de remarcar sua viagem, por um período que será determinado tão logo seja possível, sem quaisquer encargos para o consumidor.

A segunda decisão foi proferida pelo 8º Juizado Especial Cível de Vitória e também tem efeitos práticos semelhantes à primeira, preservando integralmente o direito do consumidor de remarcar seus bilhetes sem ônus.

Essas decisões mostram que, diante da atuação estatal e da atitude das companhias aéreas no presente momento, os consumidores precisam ficar atentos e recorrer sempre a uma boa assessoria jurídica antes de solicitar o cancelamento ou remarcação de suas viagens, ou de aceitar as soluções propostas pelas companhias.