Os efeitos da Medida Provisória n.º 927/2020 nas Relações de Trabalho

Foi publicada na edição extra do Diário Oficial da União de 22 de março de 2020 a Medida Provisória n.º 927/2020, que dispõe acerca das medidas trabalhistas que poderão ser adotadas em relação aos contratos de trabalho vigentes ao tempo do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 06, de 20 de março de 2020, e de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (CONVID-19), nos termos da Lei n.º 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, cuja eficácia é imediata.

Os efeitos da Medida Provisória abrangem os contratos de trabalho urbanos com duração por prazo indeterminado ou temporário, rurais e os domésticos.

Há de ser destacado, inicialmente, que a referida Medida Provisória reconhece o estado de calamidade pública, para fins trabalhistas, como hipótese de força maior, nos termos do art. 501 da CLT, o que reforça o entendimento de que em certas ocasiões, poderá haver a redução, por exemplo, de metade da multa do FGTS (de 40% para 20%) decorrente das demissões sem justa causa que ocorrerem em virtude das vicissitudes do quadro de emergência de saúde pública atualmente enfrentado no País.

Além disso, previu a referida Medida Provisória que os casos de contaminação por coronavírus (CONVID-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante a demonstração do nexo causal.

Contudo, com o claro objetivo de preservar empregos, a Medida Provisória n.º 927/2020 previu a possibilidade de empregadores e empregados celebrarem acordos individuais de trabalho, que prevalecerão sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, sempre com respeito ao que prevê a Constituição Federal.

Na prática, com a devida cautela, empregadores e empregados poderão celebrar aditamentos aos contratos de trabalho sem a intervenção dos sindicatos das categorias. Além disso, alguns direitos dos trabalhadores, previstos na CLT, foram mitigados a fim de garantir que os vínculos de emprego possam ser mantidos diante da grave crise econômica decorrente das paralisações de diversas atividades produtivas.

Deve ser ressaltado que a Medida Provisória não tratou a respeito do tema relacionado à redução da jornada de trabalho, com a consequente redução proporcional da remuneração paga ao empregado, permanecendo em vigor a regra atualmente existente, segundo a qual é permitida a redução de até 25% do valor das remunerações, desde que haja a participação do sindicato de classe da respectiva categoria profissional nas negociações.

Abaixo serão explicitadas as principais disposições consignadas na Medida Provisória n.º 927/2020 que terão o condão de influir nas relações de trabalho atualmente existentes.

Teletrabalho

De forma temporária, pois apenas durante o curso do estado de calamidade pública, os empregadores estão autorizados a utilizar o seu poder diretivo para, unilateralmente e com antecedência mínima de quarenta e oito (48) horas, mediante notificação por escrito ou por meio eletrônico, alterar o regime de trabalho dos empregados, estagiários e aprendizes de presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho à distância , bem como, ao seu exclusivo critério, determinar o retorno do obreiro ao regime de trabalho presencial, independente da existência de instrumentos coletivos, sendo também dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.

Deverá ser celebrado contrato escrito, firmado previamente, ou no prazo máximo de trinta (30) dias contados da mudança do regime de trabalho que deverá prever as disposições relativas à utilização dos equipamentos necessários à realização do teletrabalho, tanto no que se refere à aquisição, manutenção ou fornecimento e infraestrutura necessária e adequada à prestação dos serviços no curso da alteração do regime de trabalho, quanto no que tange ao reembolso de eventuais despesas arcadas pelo empregado para tal fim.

Por fim, a utilização de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada normal de trabalho não constituirá tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se existir previsão em instrumento coletivo para tanto.

Antecipação de Férias Individuais e Concessão de Férias Coletivas

Durante o período do estado de calamidade pública, o empregador poderá informar ao empregado, no prazo mínimo de quarenta e oito (48) horas, por escrito ou por meio eletrônico, sobre a antecipação das férias individuais, com a objetiva indicação do período a ser gozado, que não poderá ser inferior a cinco (05) dias corridos. Além disso, as férias poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo a elas inerente não tenha transcorrido.

Nesse contexto, deverão ser privilegiados para o gozo de férias, tanto individuais quanto coletivas, os trabalhadores que estejam dentro do grupo de risco do CONVID-19.

O adimplemento do adicional de um terço de férias poderá ser pago após a sua concessão, até o dia 20 de dezembro do ano em curso e o pagamento da remuneração das férias deverá ser levado a efeito até o quinto (5º) dia útil do mês subsequente ao início de seu gozo.

Caberá exclusivamente ao empregador decidir acerca de eventual requerimento do empregado para a conversão de um terço das férias em abono pecuniário.

Caso ocorra a dispensa do empregado, o empregador deverá pagar, juntamente com as demais verbas rescisórias, os valores porventura ainda não adimplidos relativos às férias.

No caso das férias coletivas, sua concessão também ficará ao critério do empregador, que deverá notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados afetados com antecedência mínima de quarenta e oito (48) horas, ficando dispensada a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e comunicação aos sindicatos representativos das respectivas categorias profissionais.

Do Aproveitamento e da Antecipação de Feriados Durante o Estado de Calamidade Pública

Os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, no prazo mínimo de quarenta e oito (48) horas, o conjunto de empregados afetados com a medida, com a indicação expressa dos feriados aproveitados, sendo que os feriados em destaque poderão ser aproveitados para a compensação do banco de horas.

No caso dos feriados religiosos, o aproveitamento dependerá da concordância expressa do empregado mediante acordo individual por escrito.

Do Banco de Horas

Durante o estado de calamidade pública, o empregador estará autorizado a interromper as atividades empresariais e a constituir regime especial de compensação de jornada, por intermédio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, o qual será estabelecido por acordo coletivo ou individual para a compensação no prazo de até dezoito (18) meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

A compensação do tempo para a recuperação do período interrompido poderá ser realizada por intermédio de prorrogação da jornada de trabalho em até duas (02) horas, a qual não poderá exceder dez (10) horas diárias e poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.

Da Suspensão de Exigências Administrativas em Segurança e Saúde do Trabalho

Durante o estado de calamidade pública, haverá a suspensão da obrigatoriedade da realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, que deverão ser realizados no prazo máximo de sessenta (60) dias contados do encerramento do quadro de calamidade pública. Os exames admissionais permanecem obrigatórios.

Também foi suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, os quais serão realizados no prazo máximo de noventa (90) dias após o encerramento do estado de calamidade pública. Contudo, no curso do estado de calamidade, os treinamentos poderão ser realizados na modalidade de ensino à distância, cabendo ao empregador observar os conteúdos práticos e garantir que os mesmos sejam executados em segurança.

Do Diferimento do Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

A exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores fica suspensa no tocante às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

Nesse turno, o recolhimento do FGTS relativos às competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado em até seis (06) parcelas mensais, sem a incidência de multa e encargos, com vencimento no sétimo (7º) dia de cada mês, a contar do mês de julho de 2020, devendo o empregador, para usufruir de tal prerrogativa, promover a competente declaração das informações junto ao órgão competente até o dia 20 de junho de 2020.

Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, o empregador ficará obrigado ao pagamento dos valores de FGTS correspondentes, sem a incidência de multa e encargos, desde que seja efetuado dentro do prazo legal.

Sendo assim, tendo em vista tratarem-se de situações aplicáveis ao atual momento de crise, e que fogem à normalidade das regras aplicáveis às relações de emprego, é sugerível que os empregadores contem com o devido assessoramento técnico-jurídico para a implementação das medidas trazidas pela Medida Provisória n.º 927/2020, pois certamente no futuro as medidas em destaque serão objeto de discussão perante a justiça especializada do trabalho.

1. A Medida Provisória n.º 927/2020 considera teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo.